A cada 20 minutos, uma ação contra o SUS em Minas Gerais

A judicialização da saúde cresceu 64% no Estado desde 2020, segundo o TJMG

A cada 20 minutos, uma ação contra o SUS em Minas Gerais
Em Passos, a Prefeitura responde a 4 mil processos para compra de remédios desde 2021 (Divulgação)

Neste ano, a cada 20 minutos, alguém que luta pela vida ingressa com uma ação junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O número de pessoas que precisa lançar mão do expediente judicial para fazer valer o direito básico cresce a cada ano. No Brasil, de 2015 a 2020, o volume de demandas da saúde na Justiça subiu 60%, segundo o Ministério da Saúde (MS). A pasta informou ter acumuladas mais de 50 mil causas judiciais.

 

O governo federal não soube detalhar o número de processos por ano, mas disse que, entre 2008 e 2017, as demandas em primeira instância – órgão da Justiça ao qual se faz um pedido de solução de conflito, antes de qualquer outro – já haviam saltado 130%. A tendência é acompanhada em Minas Gerais, onde a média diária de processos em saúde cresceu 64% entre 2020 e 2023. Em 2020, os tribunais receberam 16.077 causas: média de 44 por dia. Neste ano, até 10 de outubro, foram 20.561 ações – 73 por dia.

 

“Essa judicialização está em crescimento desde que passamos a enxergar a saúde como um direito social. O cidadão entende que o Estado tem que fornecer saúde e passa a buscá-la por ações judiciais. São dois lados: estamos judicializando porque o Estado está ineficiente na prestação de saúde e porque é um caminho que garante urgência”, avalia o desembargador Alexandre Quintino Santiago, superintendente de Saúde do TJMG.

 

O ciclo vicioso de uma briga judicial na saúde, que força famílias a lutar por algo que deveria ser garantido e faz governos bancarem gastos bilionários com demandas individuais

 

De acordo com o coordenador da Defensoria Especializada da Saúde de Minas, defensor público Bruno Barcala, a judicialização funciona como um termômetro de qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele analisa que o aumento das ações é sintoma de problemas muito maiores na linha de frente dos serviços. “O SUS não atingiu um patamar de qualidade que a Constituição define como necessária. O sistema cresceu muito, se qualificou, mas não consegue atender toda a demanda. Isso, sem contar que mais pessoas conseguem acessar um advogado, seja particular ou por órgãos públicos, e a saúde recai sobre a Justiça”, afirma.

 

REMÉDIO MOTIVA 52% DAS AÇÕES

A maioria dos pacientes que recorrem à Justiça devido a um problema de saúde solicita medicamentos. Levantamento de ações junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) desde 2020 até 10 de outubro deste ano revela o ingresso de 39.982 processos solicitando o fornecimento de fármacos. O volume equivale a 52% do total das causas: 76.813.

 

No cenário nacional não é diferente. Segundo o Ministério da Saúde, as ordens judiciais apenas para aquisição de medicamentos causaram impacto orçamentário da ordem de R$ 1 bilhão em 2022. O valor foi desembolsado para compra de 632.141 unidades de medicamentos.

 

A despesa diz respeito, principalmente, a fármacos recomendados para doenças raras, que custam milhares de reais. Um dos mais judicializados é o atalureno, vendido como Translarna. Indicado para crianças com distrofia muscular de Duchenne, custa cerca de R$ 63 mil. “Mesmo quem tem plano de saúde judicializa, porque não tem cobertura para medicamentos. Além disso, a maioria é muito cara, impossível de comprar”, diz a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fabiola Sulpino Vieira.

 

Outra questão coloca os fármacos como o principal problema do sistema de saúde no país, segundo a assessora jurídica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Mônica Lima: “Alguns medicamentos não têm na farmácia. Passam por licitação, são importados, precisam ter a segurança comprovada. E não estão dentro da programação do gestor de saúde, forçado a criar mecanismos para atender a judicialização”, diz.

 

Em Minas Gerais, o segundo maior motivo de judicialização é a dificuldade de acesso ao tratamento médico hospitalar, com 19.066 ações de 2020 até 10 de outubro deste ano. “Minas é grande e cheia de vazios assistenciais, com falta de serviço especializado”, diz Fabíola

 

PASSOS GASTA R$ 1,8 MILHÃO COM ‘JUDICIALIZAÇÃO’

 

A Secretaria de Saúde de Passos gastou R$ 1,8 milhão, desde 2021, na compra de medicamentos de alto custo determinada após ordens judiciais. Entre 2021 e 2023 são cerca de 4 mil ações na Justiça e o valor anual aumentou aproximadamente 78,7%, de R$ 483,1 mil para R$ 783,2 mil. Neste ano, de acordo com o secretário de Saúde, Thiago Agnelo de Souza Salum, a previsão orçamentária era de R$ 500 mil e o gasto já se aproxima de R$ 1 milhão.

 

Para ele, a chamada judicialização da saúde é uma forma de romper a barreira dos medicamentos para os tratamentos, mas falta critério, principalmente em relação aos remédios de alto custo cujo fornecimento é de responsabilidade dos governos federal e estadual.

 

“O município acaba sendo prejudicado financeiramente, já que muitas ordens judiciais que são de responsabilidade do estado e da União acabam sendo direcionadas ao município, que repassa esses medicamentos. Alguns, temos grande dificuldade de compra devido à restrição ou alto custo e não temos retorno do valor de maneira adequada”, afirma o secretário.

 

Entre os medicamentos mais caros bancados pela prefeitura após decisão judicial estão o Versanse, que custa em média R$ 497 e é usado no tratamento do Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH); Pradaxa (R$ 360) indicado na prevenção de trombose venosa e embolia pulmonar; e Kombiglyse XR (R$ 246) para tratamento de diabetes mellitus tipo 2.

 

O secretário aponta que, em Passos, a maioria das pessoas que acionam a Justiça para o fornecimento dos medicamentos é das classes média e alta. “A maioria são pessoas de média e alta classe por terem acesso onde recorrer para adquirir sem custos”, disse.

 

Segundo ele, pessoas pobres também acionam a Justiça para obter os medicamentos no município.

 

Salum aponta que a listagem dos medicamentos de alto custo fornecidos pelo poder público, por meio do Ministério da Saúde e de secretarias estaduais de Saúde, deveria ser atualizada. “O Conselho Federal de Farmácia e o de Medicina, junto ao poder Judiciário, devem se unir e fazer um levantamento dos medicamentos de alto custo que podem ser fornecidos à população para atualização das listas, sem que se necessite entrar na Justiça para conseguir”, afirma.

 

O secretário também indica que deveria haver uma união dos representantes dos governos estadual e federal junto ao Conselho de Medicina para elencar e normatizar o fornecimento.

 

“Vemos também que a relação de medicamentos estratégicos fornecidos pelo estado e União está muito defasada, já existindo medicamentos que tiveram melhora significativa e outros mais efetivos para diversas patologias que não estão na listagem oferecida, aumentando muito as demandas na Justiça”, afirma Salum

 

Segundo ele, em muitos casos o município acaba arcando sozinho com o custo para fornecimento. “Depende da decisão do juiz. Em alguns casos é determinado que o município cumpra sozinho, em outros o valor é dividido entre estado e município. Mas, com frequência, ocorre do município arcar sozinho com as despesas”, disse.