Suã com arroz (e outras saudades)

Cronicando

Suã com arroz (e outras saudades)

Estou em casa, devagar, na preparação. Não sei exatamente do quê. Pode ser da vida. Pode ser da próxima etapa. Pode ser só da janta. Há dias em que a gente sente um silêncio diferente. Nem tristeza, nem alegria. Só aquele sossego bom de quem aprende a esperar sem ansiedade.

Foi aí que me deu vontade. Uma vontade antiga, quase um abraço vindo da memória. Não sei se foi saudade, fome ou uma mistura dos dois, mas pensei: “Ah, que delícia seria um arroz com suã!”

Quem já sentiu esse cheiro sabe do que falo. É mais do que comida — é raiz. É a alma da cozinha caipira, simples e honesta. A suã chiando na panela de ferro, soltando aquele aroma forte, marcante.   O arroz, branquinho, soltinho, feito no alho refogado com banha de porco. Coisa boa não precisa de luxo. Precisa é de verdade.   

Na casa da minha mãe, o fogão a lenha era o coração do lar. Tudo acontecia em volta dele. As conversas, as histórias, os conselhos — e, claro, a comida. Ela começava cedo, colocando lenha no fogo, mexendo a panela com uma firmeza terna, como quem conduz a vida com as mãos. Não havia pressa, só presença. E isso fazia toda a diferença.

A suã cozinhava devagar. Requer tempo, como tudo o que vale a pena. Não dá pra ter pressa com ela — e nem com as coisas importantes da vida. E, enquanto cozinhava, o cheiro se espalhava pela casa e pelo quintal. Era o sinal de que vinha coisa boa.   

Lembrei disso hoje. Me deu vontade de repetir aquele gesto. De acender o fogo, ainda que a lenha seja outra, ainda que a casa tenha mudado. Me deu vontade de fazer um prato simples, mas carregado de lembrança. Talvez porque, no fundo, a gente passe a vida tentando voltar — mesmo sem sair do lugar.   

E, cá entre nós, é nessas horas que a gente entende o valor da família. Porque o sabor da suã com arroz nunca está só no tempero. Está na lembrança da mãe que ensinou a fazer. Do pai que chegava do roçado e lavava as mãos no tanque antes de se sentar. Dos irmãos brigando pelo torresmo maior. Está em tudo o que nos formou, mesmo que hoje ande um pouco longe da vista

Pensei em chamar alguém pra dividir o prato. Mas às vezes, a solidão também tem seu gosto. Serve para a gente se ouvir, se lembrar, se encontrar. E, quem sabe, preparar a mesa para reencontros futuros.  

Hoje, então, fiz isso. Acendi o fogo. Peguei a panela de ferro. Temperei a suã com alho, sal, pimenta-do-reino e um pouco de carinho. E, enquanto o arroz fervia, eu pensava na vida. Nos sabores que passam. Nas presenças que ficam. Nas saudades que alimentam.

Se você me entende, leitor, já valeu escrever. Porque há dias em que basta um prato simples para a gente sentir que ainda há muito a ser vivido — e que as melhores coisas da vida cabem, sim, numa panela de barro, num fogão a lenha, num coração que ainda sabe lembrar com ternura.

E que bom que é assim.
      
       Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista. (luizgfnegrinho@gmail.com)